Por Marcelo Barros
Desde os últimos meses do ano passado, uma única palavra – crise– é a mais repetida mundo afora. Abalado pela quebradeira dosistema financeiro dos Estados Unidos, o mundo entrou em 2009resignado em enfrentar um período duro, como não se via há pelomenos uma década. Em todas as latitudes, em maior ou menorgrau, as economias têm suas bases afetadas pela perspectiva deuma recessão prolongada. “Uma recessão começa quandoinvestidores acreditam que a hora não é boa para investir e osconsumidores crêem que a hora não é boa para consumir”, resumeGustavo Patú, jornalista especializado em economia. “E, natentativa de proteger sua riqueza, todos empobrecem.”
A crise já afeta todos as áreas da economia e, mais que isso,prejudica tremendamente o chamado Terceiro Setor, onde seinclui o trabalho missionário. As missões que dependem de enviode dinheiro para fora do país estão tendo suas atividadesseveramente dificultadas pela nova conjuntura global,principalmente devido à alta do dólar. A moeda americana, queaté outubro passado, tinha um câmbio que não ultrapassava R$ 1,60, entrou em 2009 cotado na base de 2,5 reais. “Nossos obreirosestão sofrendo muito”, lamenta o diretor da Missão Horizontes, David Botelho. Segundo ele, para manter o poder de compra dasremessas de dinheiro enviadas para os missionários no exterior,seria necessário um aumento da ordem de 50% – algo impensávelno momento, quando mantenedores pessoais e instituiçõesdoadoras também se debatem sob os efeitos da crise. “Infelizmente,neste contexto, o missionário se torna o supérfluo a ser cortado”,lamenta Botelho.
Não é a primeira vez que a Missão Horizontes, uma das maisrespeitada agências especializadas em evangelismo transculturaldo país, passa por apertos devido a crises cambiais. O pastorBotelho lembra que, entre os anos de 2001 e 2002, o dólaramericano deu um pulo, passando de pouco mais de R$ 1,80 paramais de 4 reais. Justamente naquela época, a agência estavaempenhada no Projeto Radical Janela 10-40, mantendo 96obreiros naquela imensa região imaginária que abrange as naçõesmenos evangelizadas da Terra, entre a África e o Extremo Oriente. “Eu estava em Cingapura e a cada dia olhava na internet o valor do dólar, que somente subia”, lembra o diretor. “Pensamos quenossa organização iria à bancarrota, pois chegamos a ficar com umdéficit de R$ 270 mil no cartão de crédito”. Ele não tem dúvidas: “Foi o Senhor que teve misericórdia de nós para a Horizontes nãofalir.”
Contando prejuízos – Até mesmo os projetos e as missões quecontam com doações em dólar começam a temer a crise. O FundoCristão para Crianças (CCF, na sigla em inglês) é um exemplo. Aorganização internacional desenvolve no Brasil programasvoltados para a educação, saúde, meio ambiente e geração deemprego e renda em 760 comunidades rurais e urbanas do país.Suas ações são patrocinadas por meio de doações, parcerias comempresas, fundações e institutos e, principalmente, através deapadrinhamento de crianças e adolescentes em situação de risco social. Atualmente, o Fundo Cristão para Crianças conta com cerca de 65 mil padrinhos, sendo que quase 56 mil são estrangeiros.
Beatriz Debien, responsável pela Rede de Comunicação de Resultados da organização, esclarece que não é a alta do dólar ofator que compromete a operação da entidade no Brasil, já que amaior parte dos mantenedores têm seus donativos fixados namoeda americana. “A preocupação maior está na crise mundial,pois, a partir do momento que ela atingir o chamado consumidor final, pode influenciar no apadrinhamento de crianças e adolescentes brasileiros”, teme a assessora. “No setor agrícola, porexemplo, existe a opção de aumentar ou diminuir a produção conforme a movimentação do mercado financeiro mundial. Porém, no Terceiro Setor, isso não é possível”, aponta. “Osprogramas do órgão não podem ampliar e, pouco tempo depois, cortar o número de crianças e famílias atendidas pelos projetossociais patrocinados pelo seu sistema de apadrinhamento”, lembraRodrigo Leite, coordenador de Marketing e Mobilização de Recursos do Fundo Cristão para Crianças.
Até o momento, o CCF afirma que ainda não tem registros quealertem para o aumento de cancelamentos de padrinhos estrangeiros em função da crise. “Mas estamos monitorando nossos indicadores para o caso de haver necessidade de adotar medidas estratégicas”, explica Karina Miranda, assistente do setor responsável pelo relacionamento entre padrinhos e crianças. Aorganização acredita que, se houver uma maior adesão demantenedores, empresas e parceiros brasileiros à causa, poderá se prevenir contra o impacto que pode vir a ser causado pela crisemundial.
Panorama sombrio – Especulações são feitas a todo momentoacerca de quanto tempo ainda durará a crise. Os economistas parecem concordar que, para tanto, a economia americana precisa primeiro voltar a crescer novamente e sair da recessão. Todavia, nem mesmo os mais otimistas prevêem que isso possa ocorrer antes do fim de 2009. Enquanto isso, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) sinaliza, em relatório, que onúmero de desempregados no mundo deve aumentar entre 20 a 25 milhões de pessoas até 2010 por conta da crise econômica.
O panorama é sombrio. Segundo a organização, a maioria dos países vai enfrentar uma recessão severa e prolongada, que pode se estender além desta década. Na mesma toada, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a crise global possa acarretar um recorde histórico de mais 210 milhões de pessoas desempregadas até o fim deste ano, um desastre social de consequências imprevisíveis.
Em meio a tantos números e estimativas assustadores, ainda existem os que preferem confiar em outras forças além do mercado. O diretor da Missão Josué, Charles Eduardo, sabe que a disparada do dólar e a recessão dificulta o envio e a manutenção demissionários no campo, mas crê que o Senhor vai continuar suprindo as necessidades de sua organização. Ele é categórico: “O dono da obra é Deus. Cremos na sua providência”, vaticina. Odiretor da Missão Horizontes também acredita que é preciso recorrer ao socorro do alto. “É hora de orar por um milagre para osmissionários brasileiros”, apela David Botelho.